Figura típica da atualidade, especialmente em razão das evoluções tecnológicas trazidas pelo período de pandemia, os serviços de customização e aperfeiçoamento de software, que são realizados de maneira remota, e, portanto, exportados, têm sido objeto de constante ataques das municipalidades, que por desconhecimento ou pela vontade infindável de tributar, insistem em cobrar ISS sobre serviços exportados, em clara afronta a Constituição Federal.
O artigo 156 da Constituição Federal (“CF”) delegou à Lei Complementar a função de excluir o ISS das receitas decorrentes da exportação de serviços:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir imposto sobre:
(...)
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III, cabe à lei complementar:
(...)
II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.” (destacamos)
Em observância ao comando contido no artigo 156, § 3º, II da CF, a LC 116/2003 determinou a exclusão da incidência do ISS em relação às exportações de serviço quando o respectivo resultado não ocorrer no Brasil:
“Art. 2º O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
(...)
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.” (destacamos)
A isenção prevista para exportação de produtos e serviços em toda legislação tributária tem o escopo claro de incentivar as exportações, de maneira a trazer o ingresso de divisas do exterior ao país, fortalecendo o comércio internacional e a competitividade necessária às multinacionais brasileiras.
Nesse sentido, a determinação complementar passou a vincular os Municípios brasileiros quando do exercício de sua competência tributária.
Nota-se pela análise da jurisprudência nacional que todo o imbróglio existente na cobrança ou não do ISS sobre serviços exportados está em estabelecer onde o resultado e fruição desse serviço é verificado, se em território nacional ou estrangeiro.
Nessa linha a doutrina de Roque Antonio Carrazza [1], com o fim de definir o termo “resultado”, assevera que:
(...)
Mas afinal, quando se dá a exportação de serviço?
A nosso ver, sempre que o tomador do serviço, sendo um não-residente, satisfizer no exterior, a necessidade que o levou a contratar o prestador.
(...)
O termo ‘resultado’, agora em foco, tem a acepção, pois, de prestação de serviço em favor de não-residente, vale dizer, de pessoa que, no exterior, dele se beneficie diretamente. Em suma, o tomador do serviço deve ser não-residente para que o prestador tenha reconhecida sua isenção ao ISS. (destacamos)
No mesmo diapasão Paulo de Barros Carvalho [2]:
“(...) entende-se por resultado o benefício decorrente da utilidade material ou imaterial desenvolvida. Ao executar o serviço, o prestador o faz para alguém, que dele se beneficia de algum modo. O resultado verifica-se, portanto, nos limites territoriais em que se situa o tomador do serviço, isto é, aquele que usufrui o serviço prestado. Diante da assertiva acima, poder-se-ia indagar: isso não viola os termos do parágrafo único do art. 2º da Lei Complementar 116/2003, segundo o qual é irrelevante que o pagamento seja feito por residente no exterior?
A resposta é negativa. Tem-se exportação de serviços sempre que seu resultado seja verificado no exterior, ainda que a atividade se desenvolva em território nacional. O requisito caracterizador da exportação de serviços é o desencadeamento de efeitos para fora do território nacional, não importando quem se responsabilize pela remuneração. Daí a necessária distinção entre o tomador do serviço, entendido como aquele que se beneficia da utilidade dele decorrente, e a pessoa que efetua o pagamento. Para configurar exportação de serviços não basta que a contraprestação seja paga por não-residente; é necessário que sejam prestados para residente no exterior.” (destacamos).
Extrai-se, portanto, que para ter direito à isenção não basta que o tomador de serviços se encontre fora do território nacional, é preciso que o resultado do serviço prestado e sua fruição ocorram fora do Brasil. Em outros termos, o serviço executado no exterior, mas cujo resultado se verifique no Brasil, faz incidir o ISS.
A questão já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamentos cuja ementa vale aqui reproduzir:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA ISSQN. EXPORTAÇÃO DE PROJETOS DE ENGENHARIA. NÃO INCIDÊNCIA. 1. Agravo de instrumento julgado conjuntamente com o recurso especial, conforme autorização do art. 1.042, § 5º, do CPC/2015. 2. A só confecção do projeto de engenharia, à luz dos arts. 109, 113, 114, 116, I, do CTN, é fato gerador do ISSQN, e sua posterior remessa ao contratante estrangeiro não induz, por si só, à conclusão de que se está exportando serviço. 3. À luz do parágrafo único do art. 2º da LC n. 116/2003, a remessa de projetos de engenharia ao exterior poderá configurar exportação quando se puder extrair do seu teor, bem como dos termos do ato negocial, puder-se extrair a intenção de sua execução no território estrangeiro. 4. Hipótese em que se deve manter o acórdão a quo, porquanto o Tribunal consignou que as provas dos autos revelaram a finalidade de execução do projeto em obras que só poderiam ser executadas na França ("elaboração das Plantas de execução do muro cilíndrico de proteção do reservatório de gás liquefeito de petróleo naval TK1, a ser construído na cidade de Gonfreville LOrcert, França e ao dimensionamento dos blocos de estacas do edifício principal do centro cultural, Centre Pompidou a ser construído na cidade de Metz, França e a modelagem em elementos finitos da fachada principal de dito centro"). 5. Agravo conhecido para negar provimento ao recurso especial.” ( AREsp 587.403/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 24/11/2016) (destacamos)
“Tributário. Recurso especial. ISSQN. Mandado de segurança preventivo. Serviço de retífica, reparo e revisão de motores e de turbinas de aeronaves contratado por empresa do exterior. Exportação de serviços. Não-caracterização. Serviço executado dentro do território nacional. Aplicação do art. 2º, parágrafo único, da lei nº LC 116/03. Ofensa ao art. 535 do CPC repelida. Ausência de prequestionamento de dispositivos legais. Súmulas 282/STF e 211/STJ.” [...] 4. Nos termos do art. 2º, inciso I, parágrafo único, da LC 116/03, o ISSQN não incide sobre as exportações de serviços, sendo tributáveis aqueles desenvolvidos dentro do território nacional cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior. In casu, a recorrente é contratada por empresas do exterior e recebe motores e turbinas para reparos, retífica e revisão. Inicia, desenvolve e conclui a prestação do serviço dentro do território nacional, exatamente em Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, e somente depois de testados, envia-os de volta aos clientes, que procedem à sua instalação nas aeronaves. 5. A Lei Complementar 116/03 estabelece como condição para que haja exportação de serviços desenvolvidos no Brasil que o resultado da atividade contratada não se verifique dentro do nosso País, sendo de suma importância, por conseguinte, a compreensão do termo "resultado" como disposto no parágrafo único do art. 2º. 6. Na acepção semântica, "resultado" é consequência, efeito, seguimento. Assim, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter consequências ou produzir efeitos. A contrário senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem-se produzir em qualquer outro País. É necessário, pois, ter-se em mente os verdadeiros resultados do serviço prestado, os objetivos da contratação e da prestação. (...) ( REsp 831.124/RJ, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 15/08/2006, DJ 25/09/2006, p. 239)
Extrai-se do julgado acima, que a análise da isenção prevista no artigo 156, III, § 3º, da CF e artigo 2º, I, da LC 116/03 demanda exame casuístico, haja vista que se faz necessária a aferição dos objetivos da contratação e da prestação, a fim de se verificar o aspecto territorial de seu resultado.
Em outros termos, constata-se da análise jurisprudencial que ainda que o serviço tenha se iniciado no Brasil, através de trabalho remoto por exemplo, o resultado obtido do referido serviço deverá ser inteiramente usufruído no exterior, ou seja, a tomada de decisão quanto à manutenção/instalação/atualização dos sistemas e dados recebidas deverá ser realizada exclusivamente pela empresa estrangeira, contratante dos serviços, o que poderia, inclusive, resultar em retenção de faturamento, antes da devida aprovação, o que ajudaria a reforçar que de fato a repercussão econômica do serviço desempenhado é evidenciada fora do país.
O Egrégio Tribunal Paulista possui jurisprudência consolidada que se enquadra perfeitamente com o imbróglio desenhado acima, e, em perfeita consonância com a linha estabelecida pelo STJ, senão vejamos:
“Apelação Ação declaratória ISS Município de São Paulo - Caso no qual se discute se houve exportação de serviços para fins de imunidade do ISS Inteligência do art. 156, § 3º, II da Constituição Federal. Questão regulamentada pelo art. 2º da Lei Complementar 116/2003, que condicionou o benefício aos casos em que o "resultado" do serviço se verifica no exterior. Esse resultado mencionado pela lei não é a "conclusão", que praticamente esvaziaria a imunidade, mas a "fruição", ou seja, é necessário saber se o serviço aqui prestado, e concluído, foi fruído por tomador domiciliado no exterior. Interpretação teleológica da Emenda Constitucional nº 3/1993, que incluiu o benefício no texto constitucional. Contexto de desoneração das exportações com base no princípio do destino, para o fomento da economia nacional. Doutrina. Imunidade que deve ser tratada como regra, e não exceção. Caso nos autos que envolve software composto de trechos de código produzidos em diversos países, inclusive o Brasil programa que só se torna operacional quando o código é recebido pela tomadora. Laudo pericial que categoricamente afirma que o serviço não produz efeitos no território nacional. Exportação de serviços caracterizada. Solução similar à que já foi dada por esta C. Câmara Sentença reformada - Recurso provido.”(TJ-SP - AC: 10130851820168260053 SP 1013085-18.2016.8.26.0053, Relator: Roberto Martins de Souza, Data de Julgamento: 25/04/2019, 18ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 24/06/2019) (destacamos)
EMENTA TRIBUTÁRIO APELAÇÃO AÇÃO ANULATÓRIA C/C AÇÃO DECLARATÓRIA ISS EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Sentença que julgou parcialmente procedente a ação. Apelo de ambas as partes. (...) RESULTADO DO SERVIÇO. A contratação de um serviço gera uma obrigação que, com relação ao seu fim, pode ser classificada em três tipos: de meio, de resultado e de garantia. Um serviço objetivando uma obrigação de resultado normalmente passa pelas etapas de contratação; desenvolvimento; conclusão; disponibilização ao cliente; aceitação do serviço pelo cliente; e fruição - Quanto às obrigações de resultado, observa-se que o resultado do serviço se dá no momento da sua aceitação pelo cliente, não sendo necessária a fruição, pois ela pode não ocorrer por decisão do contratante. Nas obrigações de meio e nas de garantia, como não há um “resultado” contratado, a atividade em si é o resultado e nela se confundem a disponibilização, aceitação e fruição do serviço. MANUTENÇÃO E SUPORTE DE SISTEMAS - No caso dos autos, o núcleo dos serviços tributados é a manutenção e o suporte operacionais de sistemas de telecomunicação das tomadoras, localizadas no exterior. Obrigação de resultado. Disponibilização do serviço e aceitação pelo cliente que ocorrem no exterior - Assim, o resultado ocorre fora do Brasil, há exportação de serviço e, por isso, cabe a isenção.” (TJSP. Apelação Cível 1037898-41.2018.8.26.0053; Relator (a): Eurípedes Faim; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 7ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/08/2020; Data de Registro: 31/08/2020) (destacamos)
Apelação. Repetição de Indébito Tributário. Empresa química e farmacêutica. Exportação de serviços de pesquisa para empresas do mesmo grupo econômico localizadas no exterior. Cláusula de exclusividade na fruição do serviço pela TOMADORA. Inteligência dos art. 156, § 3º, II da CF e art. 2º, I e par. único da LC 116/03. Dúvida sobre o conceito de 'resultado'. Aplicação de métodos jurídicos de interpretação. Resultado que deve ser entendido como "fruição", com o aproveitamento ou efeito do serviço (proveito econômico) exclusivamente no exterior, tomando-se por base o objeto do contrato e a finalidade do serviço para o tomador (aspecto subjetivo). Hipótese de isenção configurada. Declarada nulidade do lançamento tributário. Indébito caracterizado. Repetição do Indébito devido. Decisão reformada. Recurso provido. (TJSP; Apelação 0038110-26.2011.8.26.0053; Relator (a): Henrique Harris Júnior; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 11ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 14/08/2014; Data de Registro: 18/08/2014) (negritamos e sublinhamos)
Da análise dos julgados acima extrai-se que para o Tribunal de Justiça Bandeirante:
(i) o local da conclusão do serviço não é determinante para a definição da exportação de serviços; e
(ii) o resultado do serviço envolvendo o desenvolvimento de software ocorre no exterior, se é no exterior o local no qual a atualização do software será aprovada, e poderá ser utilizado/operado/explorado economicamente (fruição).
Em síntese, na esteira do entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário, percebe-se que os serviços somente serão considerado isentos de ISS quando:
i. forem considerados finalizados após terem seus resultados efetivamente verificados e validados por seu tomador, que é sediado no exterior, estabelecendo-se inclusive em contrato que essa é uma condição necessária para autorizar o respectivo faturamento do serviço prestado;
ii. Na mesma linha deverá ser demonstrado que a fruição dos serviços também ocorre exclusivamente no exterior, isto porque, o serviço prestado somente poderá ser utilizado/operado e explorado economicamente fora do Brasil. Todo o resultado patrimonial da exploração do serviço prestado se dará em favor do tomador do serviço no exterior.
iii. O contribuinte deve ser contratualmente proibido de usar, usufruir e/ou ceder, a qualquer título, a qualquer parte, o software desenvolvido especificamente para os contratantes estrangeiros;
iv. Deve ficar claro no contrato a intenção de executar o serviço no exterior, nos servidores dos contratantes localizados fora do Brasil, sendo este elemento propositivo hábil para configurar a exportação, segundo o Superior Tribunal de Justiça;
v. O aceite da prestação de serviço e aspectos contratuais devem ocorrer estritamente no exterior, uma vez que toda a motivação comercial e econômica ocorre no exterior; e.
Dessa forma, longe de se buscar exaurir o tema, conclui-se que os prestadores de serviços de tecnologia de informação no geral devem tomar algums cautelas antes de firmar seus contratos de prestação de serviços com seus clientes estrangeiros, evitando-se futura autuação fiscal do município onde está sua sede, conseguindo, dessa forma, usufruir da imunidade de ISS constitucionalmente garantida.
[1] ISS – Serviço de Reparação de Turbinas de Aeronaves, para Destinatários no Exterior – Não-Incidência – Exegese do ART.2ºº, I e SeuParagrafo Unicoo, da Lei Complementar1166/2003”, Malheiros, RDT v. 93, p. 24-39.
[2] Paulo de Barros Carvalho. O conceito de “exportação de serviços” para fins de não incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza. In Revista de Direito Tributário. São Paulo, Malheiros Editores, Volume 100, pp. 16/17.
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